quinta-feira, 6 de abril de 2017

Jack Kerouac - O vagabundo iluminado


O meu vagabundo preferido. 
        Faz tempo que o encontrei, perdido em uma revista, entre reportagens sobre a geração beat nick, anterior aos hippies. Na época, meados dos anos 70, fazia um trabalho e deveria escolher um tema literário para comentar e expor na Feira do Livro do meu colégio, Instituto Christus, em Manaus. 
        A primeira impressão foi impactante, não consegui dormir ao saber que não havia livros de Jack Kerouac (JK) nas livrarias e bibliotecas da cidade, não conseguia ainda connectar este fato com a ditatura mitalitar.  Depois de longa procura, pesquei  na biblioteca do ICBEUO apanhador no campo de centeio de J.D. Sallinger, livro que foi tema da minha exposição. No entanto, Kerouac e a revista com a reportagem ficaram guardados por anos no escaninho mais inacessível do meu armário.
        Dez anos mais tarde, em uma festa muito louca na Vivenda Verde, lá estava Kerouac bem na minha frente. Não acreditava no que estava vendo, seria o efeito do esgotamento físico, após um dia inteiro jogando volei e me hidratando com cerveja preparada artesanalmente por amigos?   Não, não era miragem. Era real, era ele! Estava todo molhado na espreguiçadeira do pátio dos anfitriões da festa. Aproximei-me devagar, olhei para os lados e com muito cuidado tomei-o nas mãos. Estava aos frangalhos, falava português, portava algumas páginas coladas e soltas na edição de bolso de Pé na Estrada, tradução do best seller  On the road
       Naquela noite, não me importava nem  com a penumbra e nem com o barulho da música, entrei pela madrugada absorvendo aquela obra. Já quase de manhã, ainda não havia acabado de lê-lo,  quando um rapaz acanhadamente esticou a mão pedindo o livro. Devolvi o exemplar  me desculpando e, antes que eu perguntasse alguma coisa, o rapaz apressadamente saiu da festa, para  embarcar em algumas horas para o Rio de Janeiro. 
       Nunca soube o nome daquele rapaz e nunca o perdi da memória.  Ainda hoje guardo detalhes que o tempo não apagou: o cabelo longo e molhado, o jeans despotado e colado no corpo,  olhos avermelhados e sorriso suave.  Adeus Kerouac.
       A geração beat foi o movimento literário da dácada de 50 e 60 nos EUA,  que influenciou gerações e,  além de Jack Kerouac, outros escritores, como Allen Ginsberg, William S. Borroughs, Neal Cassady, Gregory Corso, descreveram suas peripécias e transgressões na efervercência cultural dos bares de NY, seja mantendo um papo filosófico insano com companheiros, ou degustando o melhor do Jazz, ou ainda em exposições de artes e recitais de poesia. Depois para descansar subiam as montanhas  para percorrer o caminho do autoconhecimento,  como mostram  estes fragmentos de JK, em Viajante Solitário:

             "A sabedoria só pode ser obtida sob o ponto de vista da solidão".
         "Nemhum homem deveria passar pela vida sem experimentar pelo    menos  uma vez na vida a saudável e até aborrecida solidão em um lugar selvagem, dependendo exclusivamente de si mesmo e, com isto, aprendendo a descobrir sua verdadeira força"

       A geração beat me acompanha há algum tempo,   presentes nos momentos mais ternos da minha trajetória, companheiros de quarto, de cabeceira, peças indispensáveis na mochila,   mala e nas estantes.  
     O   encontro mais alucinante com Kerouac foi em   Vagabundos Iluminados, tradução de Dharma Bums, nele reencontrei também aquele rapaz dono do livro da festa louca da Vivenda Verde.



quinta-feira, 17 de abril de 2014

Walden - A vida nos bosques


Recomendo fortemente a leitura deste belíssimo livro do escritor norte-americano Henry David Thoreau (1817-18620). Um relato dos 2 anos em que o autor passou na floresta às margens do Lago Walden, recolhido e distante das sociedades dos homens. Na solidão de Thoreau, ele não estava sozinho, mas acompanhado de uma exuberante Natureza com a qual interagiu profundamente e dela retirou seu alimento e viveu de uma forma auto-sustentada. Os peixes, os pássaros, o lago, os rios, a chuva, os espíritos, a neve, o vento, as árvores, os esquilos, as marmotas, as rochas estão presentes na narrativa, no entanto esses elementos não estão isolados, mas amarrados em uma reflexão em que o autor contesta o desenvolvimento, a industrialização americana e a maneira de viver dos homens do seu tempo e sua relação com a Natureza. O maior legado de Walden não está na contestação das sociedades e nem na contemplação da natureza, mas sobretudo na vida simples que possibilita o auto conhecimento do homem. 'Precisamos de muito pouco para viver' diz Thoreau. Walden é um livro bastante atual, embora tenha sido escrito à quase dois séculos , e pode ser considerado um dos precursores de temas tão contemporâneos como sustentabilidade, meio-ambiente a importância da preservação da natureza para felicidade dos homens. Questionado sobre as razões que o levaram a abandonar Walden, Thoreau responde: 'Deixei a mata por uma razão tão boa quanto a que me levou para lá. Talvez me parecesse que eu tinha várias outras vidas a viver, e não podia dedicar mais tempo àquela. É notável a facilidades a insensibilidade com que caímos numa determinada rotina, e construímos uma trilha batida para nós mesmos".

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Mindu - Um rio que passou em minha vida


Há tantos assuntos acumulados no ano para comentar, mas as imagens do Mindu são fortes e cutucam o meu silêncio.
O Mindu é o principal igarapé que corta a área urbana de Manaus, desaguando no Rio Negro. Não apenas percorre a cidade como também tem atravessado a vida de muitas pessoas, como a minha e da minha geração.

Ainda guardo na memória, a primeira vez que nadei em um rio. Foi no igarapé do Mindu que passava pelo sítio da minha avó materna, Dona Brazia de Mello Sá Peixoto, onde ia raramente, em momentos especiais da família. Localizava-se em uma área de mata fechada, longe do Centro para época, com difícil acesso por uma única e lamacenta picada ou trilha.

Devo confessar que tive muito medo ao vê-lo. Impunha respeito - era volumoso e barulhento. Aproximei-me da margem juntamente com alguns dos meus irmãos e coloquei o meu pezinho bem devagar naquela água escura e gelada. Levei um choque, afastando-me rapidamente. No caminho, o meu irmão Babal (Raimundo Arkbal) levou-me de volta ao rio, onde lá estavam, em completa bagunça coletiva os primos, primas, tios e tias e conhecidos.

No meio da brincadeira, já em segurança dentro de uma bóia de pneu velho, um grito forte paralisou minhas braçadas e silenciou o almoço dominical. Era a Dinda (Carmen Marcos Fradera) apontando para o meu irmão Luis Balkar, então com 3 anos, sendo levado pela correnteza. O silêncio foi rompido com uma gritaria difusa, na qual se destacava a voz da tia Teté (Terezinha), esposa do tio Antônio Gonçalveis de Sá Peixoto Neto. Lembro-me como se fosse hoje, do olhar sereno e terno de minha mãe, Maria do Céo Sá Peixoto Pinheiro, torcendo pelo seu irmão Balark Sá Peixoto e pelo seu cunhado Silvino Lins, marido da Docinha (Adelaide Eudoxia) e pela Celina resgatarem o rebento. A confusão não me permitiu registrar o verdadeiro herói ou heroína do final feliz.
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Anos mais tarde, menina ainda, frequentava um dos melhores "banhos" da cidade, o Balneário do Parque 10, onde havia uma piscina rústica construída no meio do Mindu. "Banhos" eram assim chamados os balneários de rio em Manaus.

Aos domingos, o Balneário do Parque 10 era sempre lotado, e apesar da quantidade de gente ninguém reclamava da qualidade da água, sempre corrente, fria e limpa. Era época em que eu e minha irmã Diana "segurávamos vela", obrigadas a acompanhar a irmã mais velha Maria das Graças e o namorado Eugênio nos passeios aos banhos do Mindu, como o Parque 10 e o Guanabara.
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O tempo passou, a Graça casou-se com o Aldo Costa e o Eugênio com a Naná Soeiro, mas o Mindu ficou. E parece que ficou sozinho.
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O Mindu faz parte da memória familiar, demarcando não apenas áreas mas sentimentos que ficaram impregnados na lembrança, constituindo-se em um bem imaterial da família Sá Peixoto e da cidade de Manaus. Os tios Balark e Silvino não passam mais por ele, mas o Babal passa, e como passa. A Dinda ainda passa mas o enxerga com os olhos da Diana e o Dr. Eugênio D'Albert continua passando e ajudando às pessoas a vê-lo melhor.

Infelizmente o Mindu é percebido por poucos da família, principalmente os mais novos, que o vêem como um grande esgoto a céu aberto, como uma evolução "natural" do desenvolvimento. Outros, indiferentes o cruzam a caminho da vida, como o Luis Felipe, filho daquele irmão que quase morreu no sítio da vovó.

Somente uma pessoa percebeu o Mindu intensamente, em várias dimensões - a Celina, a garota do Piteco, como era chamada pela minha avó a índia da etnia Sateré, que cuidava do sítio. Morreu solitariamente, e com ela estão enterradas muitas histórias e lendas do rio, que não tivemos o cuidado de registrá-las, como uma forma mais nobre de agradecimento.
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Cresci, ganhei o mundo, e ao retornar a Manaus, passei a morar muito perto do lugar onde era sítio da vovó. O sítio, não existe mais há muitos anos, e no seu lugar foi construído o primeiro COHAB de Manaus - Conjunto Residencial Castelo Branco. Mas, o Mindu ainda está lá, a poucos metros da minha casa, serpenteando o populoso bairro do Parque 10 de Novembro.

Todo dia passo pelo Mindu. Mesmo sem passar por ele, ele passa por mim. Contudo, há um momento muito especial toda vez que lentamente o atravesso com minha bicicleta e o contemplo à distância, do alto da ponte na Avenida das Torres. A brisa leve e mal cheirosa do Mindu agonizando, me remete ao olhar da minha mãe naquele episódio do sítio da vovó, talvez querendo mandar-me um recado para manter a serenidade e a ternura nos momentos difíceis.

PS: Veja neste blog mais fotos do Mindu, em artigos de novembro/2009

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Foi assim que conheci Oscar



Foi em fevereiro de 1974, garota ainda, que o conheci pela primeira vez, embora já tivesse ouvido falar dele lá em casa pelo meu pai. À época, não era muito comentado na escola, tampouco não era tema proibido, mas não era muito citado com a frequência merecida.

Como obra do destino, em uma atividade escolar cheguei à Brasília para representar algumas danças folclóricas da minha terra. Não tive uma boa impressão da cidade. Era uma cidade vazia, com ruas largas e desertas, descampada, sem arborização urbana. Um imenso canteiro de obras a alimentar o vento seco e empoeirado da cidade.

De repente, entre poeiras, gritos e carros, ele surgiu na minha frente. Demorei a compreendê-lo, não entendia direito aquelas formas, olhava-o intrigada e desconfiada.

Perfilada entre colegiais, em uma bagunça coletiva, adentrei à Catedral. Silêncio total. Olhei para cima e pela primeira vez na vida, contemplei o céu dentro de uma igreja. Aquilo ali não era obra pintada como a Capela Sistina e ele não era Michelâangelo. O céu era real e resultado de um traçado inusitado das mãos de um arquiteto genial.

De volta à Manaus, minha mãe perguntou-me se havia gostado de Brasília, foi então que lhe respondi que não sabia, mas que havia gostado do OSCAR.
...
O tempo passou e tive a oportunidade de revê-lo em vários outros momentos, todos com muita emoção. Quase tive uma síncope quando avistei à distância o Museu de Arte Moderna de Niteroi (foto acima), parece que estava em um filme de 3D, aproximando-me pelo mar de uma nave espacial pousada na margem, após percorrer embevecida pelos seus espaços internos tive a sensação exata de haver contemplando ali o melhor de Oscar.

Parabéns Oscar pelos 103 anos de vida, pela referência de ser humano cujos princípios, lutas e criatividade emolduram a minha vida e de várias gerações.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Manaus - a perda da Natureza como valor estético


Não sei quando começou nem como por aqui chegou. Só sei que se proliferou rapidamente que nem praga, não escolhendo idade e tamanho de seus hospedeiros. Só sei que a minha querida e "européia" Manaus, uma jovem senhora de mais 340 anos, tem sido uma de suas vítimas preferencias.

Trata-se da síndrome da ant-inatureza, doença adquirida por doses cavalares de desmatamentos,
Este quadro sintomático pode ser identificado quando se observa os espaços públicos desmatados, rios, lagos e igarapés obstruídos, poluídos ou simplesmente desaparecidos em curto espaço de tempo pela volúpia dos construtores e pela cegueira disfarçada dos gestores públicos.

As florestas nativas, cada vez mais distantes da cidade, representam o atraso na nova estética urbana, e precisam urgentemente serem extirpadas, como um tumor. No seu lugar, multiplicam-se ambientes com predominância de gramíneas, e espécies importadas, como o caso das palmeiras imperiais

Na primeira década do século passado, para atenuar o forte calor os espaços públicos de Manaus eram arborizados também com algumas espécies exóticas de copas densas como os Oitis, Benjamins e Mangueiras como mostra a foto acima.
Os espaços privados como shoppings centers e condomínios fechados passam a ser referências de cultura e lazer, enquanto ruas, praças e parques são projetados, não mais para socialização de seus habitantes, mas apenas para o direcionamento do tráfego. Assim, neste novo modelo de cidade o carro passa a ser o cidadão principal.

Como resultado desse processo degenerativo tem-se uma cidade feia, suja ,deprimente e desumana, em cujas ruas circula um novo ser, o urbanóide. Ser estranho, egoísta, individualista, robótico, desprovido de criticidade, sem memória, sem sentimento coletivo e, portanto não mais um cidadão.

A cura, se houver, será sofrida e resultante de um longo processo de lutas entre os homens, no cenário local e global. Daí sairá os princípios e os valores que formarão um DNA curativo, mutante, não genético mas ético, sobre o qual uma nova cidade surgirá.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

O voto insosso




Foi o meu voto no segundo turno na última eleição à Presidência da República. A manifestação de alguém que luta há tempos por um projeto de desenvolvimento sustentado para o Brasil e o viu derrotado nas urnas no primeiro turno.

O dilema no turno seguinte não foi nada banal, por não ter sido um voto qualquer, não foi mais aquele voto intensamente desejado, o voto do ponto de encontro entre o meu passado e o futuro sonhado. Foi um voto angustiado, por ter que me decidir entre um programa RUIM e outro PERVERSO. Programas que não pautaram os principais problemas brasileiros, menosprezando temas como socio-ambientalismo, sustentabilidade e desenvolvimento com “baixo carbono”. E em vez disso, preferiram navegar no campo do pessoal, do particular e íntimo dos candidatos, ressuscitando o obscurantismo da velha e TENEBROSA Idade Média.

A última eleição revelou-me, também, um fato inusitado, de ter que escolher o melhor INIMIGO. Amigo a gente escolhe, mas inimigo foi a primeira vez. O significado daquela “simples” ação, está no futuro do presente - nas forças que haverei de aliar-me, representadas pelo melhor inimigo, no combate aos grupos portadores de interesses socialmente mais excludentes, menos libertários e menos nacionais. Por outro lado, o fato CONFIRMADO não excluirá o meu silêncio diante dos enganos e atitudes também indecentes do melhor INIMIGO.

Daí o voto insosso ter sido um voto incômodo, parido sem o entusiasmo do primeiro turno e destituído de cor, sem ter sido branco nem nulo. Amargamente digerido com o paladar dos outros, o voto do “nem fede nem cheira”, mas desculpe-me o termo chulo, o voto que poderá dar CAGANEIRA.

O voto insosso, ao contrário do que escrevem os “especialistas”, escondeu muito mais do que revelou. Revelou desânimo mas escondeu a disposição para luta em outras ações coletivas do cotidiano tão importantes para a sociedade quanto as eleições. Escondeu também as TRINCHEIRAS, o lugar que nunca deverei abandonar. Mas sobretudo o que o voto insosso não revelou, apesar da incerteza e desesperança no governo do inimigo escolhido, foi a vontade latente de um mundo melhor, mais justo, mais fraterno e mais humano a ser construído.

Amazoneida Sá Peixoto Pinheiro

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Encontro com Marina Silva


Foi em Manaus no último dia 14/08 em dois eventos: pela manhã na UFAM no Fórum Amazônia Sustentável e à noite na livraria Saraiva no Lançamento do livro de Marília de Camargo César, Marina - a vida por uma causa.
No Fórum, Marina apresentou seu projeto de desenvolvimento sustentável especificamente para Amazônia, não se esquivando de temas polêmimos como BR-319 e Hidrelétrica de Belo Montes. Na livraria foi recebida por pessoas simpáticas à sua luta e trajetória de vida, indicando o crescimento da sua candidatura à Presidência em Manaus.
Em ambos eventos Marina foi acompanhada pelo Movimento Marina Silva (MoveMarina). A cúpula do PV local não compareceu, talvês por contragimento e/ou vegonha, uma vez que este partido coligou-se com o PSDB e apoia Serra para Presidência da República.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Onde não há cinema



Um colega do Departamento de Estatística da Ufam, Celso Rômulo, conhecendo a minha desesperança em relação à programação nos cinemas de Manaus, enviou-me um texto interessante que reflete à dificuldade de assistir a bons filmes morando numa cidade onde não há salas de cinema alternativo. O artigo foi publicado na Folha de SP Caderno Ilustrada de 26/07/2010. Leia na íntegra. http://ilustradanocinema.folha.blog.uol.com.br/arch2010-07-01_2010-07-31.html#2010_07-26_19_12_43-11204329-0.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Os perigos do novo código florestal


Semana passada foi aprovado na Comissão Especial da Câmara dos Deputados o relatório do Deputado Federal Aldo Rebelo (PCdoB-SP) propondo alterações no Código Florestal Brasileiro. Em sessão tumultuada, a decisão foi remetida à Plenária, ainda sem data marcada para votação. Entre os pontos polêmicos estão:
i. anistia todos aqueles que, entre 1994 e 2008, cometeram crimes ambientais e desmataram mais do que o permitido por lei;
ii. reduz ainda mais a faixa obrigatória de preservação das matas que ocupam as margens dos rios, encostas e topos de morros, incentivando o desmatamento e desmoronamento de encostas;
iii. transferência para os estados da tarefa de legislar e cuidar das florestas tropicais.

O atual Código já é ruim, se as mudanças forem efetivadas, haverá um retrocesso na proteção ambiental no Brasil, com consequências irreparáveis aos ecossistemas dos principais Biomas brasileiros, como Amazônia, o Cerrado, a Caatinga, a Mata Atlântica e o Pantanal.

O Secretário executivo do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, Luiz Pinguelli Rosa, em carta ao Presidente Lula, manifesta suas inquietações quanto às medidas propostas no novo código que se coadunam com as metas brasileiras de mitigação de gases de efeito estufa vinculadas ao Uso da Terra - em especial sobre a redução do desmatamento - levadas à 15ª Conferência das Partes da Convenção-quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), realizada em Copenhague (Dinamarca), em dezembro 2009, e incorporadas a Política Nacional sobre Mudança do Clima, Lei Federal nº 12.187/2009.

A SBPC- Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência - chama atenção aos impactos ambientais decorrentes do novo código, ressaltando que já há estudos científicos mostrando que é possível dobrar a produção no Brasil sem se avançar sobre novas áreas verdes.

Além das depertubações ambientais e dos desmatamentos, o novo código florestal promoverá impactos morais à sociedade, gerando desesperança àqueles que sempre respeitaram às leis, uma vez que anistia todos criminosos ambientais e os desobriga a replantar o que fora destruído, deixando de arrecadar aos cofres públicos mais de R$ 10 bilhões em multas– segundo cálculos oficiais do IBAMA.

Nesta festa macabra patrocinada com recursos naturais do país, dançam de rostos colados Ruralistas e Comunistas observados pelo executivo encantado e pela grande midia silenciosa.

Viva o Brasil!!!

sexta-feira, 18 de junho de 2010

...E o mundo ficou mais cego


Obrigada meu velho, pela literatura que ajudou homens cegos aprenderem a enxergar.

terça-feira, 1 de junho de 2010

Avatar X Copenhagen

Por Elenita Malta Pereira

Lançado simultaneamente ao fracasso da conferência de Copenhague, fenômeno de público nos cinemas chama atenção para o esgotamento de um modelo que saqueia nosso planeta.

Avatar aparece num ótimo momento. Após o fracasso da Conferência do Clima em Copenhague e no início do Ano da Biodiversidade, é um brado de alerta sobre nossa péssima relação com a natureza. Merece ser assistido pelos belos efeitos e pela fotografia extraordinária, porém, mais do que isso, apresenta uma poderosa mensagem ecológica: o homem precisa restabelecer sua conexão com a natureza. O filme nos fala também de respeito ao próximo, homem, animal ou floresta, igual ou diferente de nós.

Planejado pelo diretor James Cameron (de Titanic, Alien e True Lies) há 15 anos, Avatar teve uma nova tecnologia de efeitos especiais criada para sua filmagem, realizada em 3D. O espectador é transportado para a lua Pandora, habitada pelo povo Na’vi, um universo de experiências sensoriais encantadoras, com seres de formas jamais imaginadas, cores reluzentes e uma natureza exuberante. Tudo isso é registrado numa fotografia belíssima, um dos pontos altos do filme.

Como outros blockbusters (O Dia depois de Amanhã, 2012), filmes de animação (Happy Feet, Wall-E, Hugo) ou mesmo o documentário A Marcha dos Pinguins, Avatar explora o tema ambiental, seguindo a linha de Uma Verdade Inconveniente, que ganhou um Oscar em 2007. Podemos nos questionar: por que tantos filmes com preocupações ecológicas?

A popularidade que o tema alcançou, nos últimos anos, especialmente depois dos relatórios do IPCC, de 2001 e 2007, com fortes evidências de que o homem é responsável pelas mudanças climáticas e de que o efeito estufa já é perceptível até mesmo para a população em geral, por meio de fenômenos naturais em todo o mundo, parece provocar uma demanda por esse tipo de filme. A indústria cinematográfica, assim como outros ramos de negócios, aproveita-se da comoção que o assunto é capaz de produzir nas pessoas. O conceito de desenvolvimento sustentável, nesse sentido, quando apropriado pelas empresas, foi distorcido de seu significado original e utilizado para proporcionar lucros, incentivando o consumo. O movimento ambientalista pregava em seu início, nos anos 1970, justamente o contrário, o anticonsumismo.

Avatar, entretanto, propõe uma discussão pertinente sobre o futuro do nosso planeta, a Terra. Inova ao expor a monstruosidade, o lado perverso do ser humano – personificado no personagem do coronel Quaritch Miles (Stephen Lang) –, que destrói um mundo em perfeita harmonia, com uma brutalidade chocante, em cenas que provocam indignação no espectador. Mostra até onde o homem é capaz de chegar para obter ganhos econômicos.

Quando a árvore-casa dos Na’vi cai, o desmatamento da Amazônia, da Mata Atlântica, o derretimento dos polos, a morte dos corais e dos oceanos, enfim, todas as desgraças provocadas pelo homem são evocadas. Vemo-nos em ação, atirando contra a natureza, só porque debaixo dela se encontra um minério valiosíssimo, que, para os humanos, seria capaz de resolver a crise energética, uma vez que em 2154 – ano em que a trama se passa – não existe mais verde por aqui. Com a Terra arrasada, segue-se a colonização de outros mundos. Ao mostrar nossa mesquinhez, o filme pretende atingir o que ainda resta de consciência ecológica em seu público.

O nome da lua, Pandora, é significativo. Na mitologia, Pandora, a primeira mulher criada por Júpiter, recebe dos deuses presentes em forma de dons, como beleza, persuasão e música. Entregue em casamento a Epimeteu, irmão de Prometeu (que roubou o fogo do céu para criar o homem), recebeu do marido uma caixa contendo todos os males, com a advertência de não abri-la. Mas a curiosidade foi maior, e Pandora abriu a caixa, liberando pragas que atingiram o homem, restando apenas a esperança. Pandora não cuidou de sua caixa, e nós não estamos cuidando do nosso planeta. Avatar nos adverte: a Terra é nossa caixa de Pandora. Se não soubermos preservá-la, será o nosso fim.

O filme de James Cameron é permeado de esperança. Em Pandora tudo está em equilíbrio. Uma árvore da vida, a deusa Eywa, sustenta as conexões entre as raízes de todas as árvores e entre todos os seres. É uma teia, como as sinapses que ligam os neurônios em nosso cérebro. Acaso na Terra os sistemas também não estão interligados? Esse é o preceito fundamental da ecologia. Já nos dizia José Lutzenberger, em seu Manifesto Ecológico Fim do Futuro?: tudo está relacionado com tudo.

Embora nossa conexão não se realize diretamente, como ocorre por meio das tranças dos Na’vi, com os cavalos (Direhorses), animais alados (Banshee) ou com a própria terra, ela existe, só que está perdida pelo nosso afastamento da natureza. Avatar nos diz que, se quisermos manter o direito de habitar a Terra, precisamos colocar-nos novamente em contato com a natureza.

O personagem principal, Jake Sully (Sam Worthington, de Terminator Salvation), consegue se libertar da ignorância e perceber a tempo a catástrofe que os humanos iriam desencadear em Pandora. Ao entrar em contato com os costumes dos Na’vi, Jake Sully, aos poucos, vai compreendendo a importância da harmonia ecológica de Pandora. Trata-se, além de conhecer os modos de alimentação e locomoção, de como respeitar a vida em todas as suas formas. Quando a jovem princesa Neytiri diz a ele “Eu vejo você”, ela não apenas vê, mas sente, percebe e respeita o outro. Para vivermos em equilíbrio com a natureza e com nossos semelhantes, é preciso “vê-los” profundamente.

Um aspecto interessante do filme é que a vida no avatar passa a ser mais real do que a “vida real”. Isso pode instigar-nos a questionar: a vida que levamos atualmente nas grandes cidades, nas quais sofremos as consequências do mau planejamento urbano, do trânsito, dos temporais, nos proporciona qualidade de vida? Não está na hora de buscarmos qualidade de existência? O filme nos mostra que mesmo as sociedades tidas como “primitivas”, até mesmo “selvagens”, têm sabedoria, e, geralmente, uma ligação com a natureza muito mais rica do que a nossa.

Não é o caso de sairmos correndo das cidades e nos enfiarmos no mato, vivendo como os indígenas. Trata-se de abandonar nossos preconceitos, aprender a conviver e respeitar o outro, encará-lo como igual, alguém com quem podemos trocar experiências.

Somos responsáveis pelo sistema econômico falho, excludente, perverso – que, apesar da recente crise, surpreendentemente permanece o mesmo – que, visando ao lucro e ao crescimento ilimitado, coloca a natureza como um detalhe; na verdade, uma pedra no sapato para atingir o “desenvolvimento”. O que nos falta, como mostra Avatar, é envolvimento. Acabamos de sair da mais importante conferência realizada até hoje sobre as mudanças climáticas. Vimos que os interesses econômicos dos países, principalmente das grandes potências, minaram qualquer possibilidade de acordo.

Estamos cada vez mais desconectados com a teia da natureza, preocupados em ganhar dinheiro custe o que custar. Mesmo que o preço seja a vida dos que ainda não nasceram ou até mesmo dos oceanos, das árvores e dos animais, não cogitamos alterar nossos hábitos de consumo, extremamente danosos aos recursos naturais, e, muito menos, mudar nossa matriz energética altamente poluente.

Com seus corpos azuis, orelhas pontudas, narizes achatados, cabelos em trança e muito mais altos do que nós, os habitantes de Pandora têm muito a nos ensinar. Eles nos passam uma importante mensagem: ainda há tempo para salvar a Terra, basta nos reconectarmos. Não se esqueça: abra os olhos.

* Historiadora, mestranda em história pela UFRGS, com estudo sobre o ambientalista Henrique Roessler