quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

CHUVAS E MANGAS - Um breve conto de Natal


Todo ano, desde os meus primeiros anos, esperava pelas chuvas e pelas mangas ansiosamente. Não entendia à época, porque elas andavam sempre juntas, em fina sintonia.
Após meses de estiagem, apareciam novamente, trazidas por um vento difuso rompendo as manhãs e amenizando o calor sufocante de minha terra. As chuvas chegavam energizando tudo que encontravam pela frente, a vida e o que não era vivo, as árvores secas, os pastos queimados, as ruas empoeiradas, as pessoas enclausuradas, e as crianças, que como eu, também esperavam.
Quando as primeiras mangas começavam a cair era o sinal que algo maior se aproximava. A alma das pessoas ficava mais leve, suavizava-se a medida em que a chuva e o colorido das mangas intensificavam-se..
Chuvas e mangas espalhavam-se pelas ruas de minha terra quente, sinalizando que ELE estava chegando. Minha mãe dizia que ELE vinha do Polo Norte de Trenó, um tipo de veículo que as terras quentes não conhecem. Daí o clima mais ameno, era ELE chegando.
Além de presentes para todos os pirralhos e para as crianças bem comportadas, como eu, trazia também uma mensagem para a humanidade DAQUELE cujo nascimento todo ano se comemora.
…..
Com o passar do tempo, aprendi a apurar melhor a mensagem, cuja resposta estava sempre bem perto de mim, simbolizada nas árvores, nas luzes e nos presépios que ainda hoje, adornam os lares na celebração do nascimento DAQUELE menino, como representação da força divina na renovação constante da vida, como as chuvas e as mangas de minha terra quente.

Feliz Natal

AmazoNeida

2 comentários:

c disse...

Votos de Feliz Natal, com um poema de António Gedeão

Dia de Natal

Hoje é dia de ser bom.
É dia de passar a mão pelo rosto das crianças,
de falar e de ouvir com mavioso tom,
de abraçar toda a gente e de oferecer lembranças.

É dia de pensar nos outros— coitadinhos— nos que padecem,
de lhes darmos coragem para poderem continuar a aceitar a sua miséria,
de perdoar aos nossos inimigos, mesmo aos que não merecem,
de meditar sobre a nossa existência, tão efémera e tão séria.

Comove tanta fraternidade universal.
É só abrir o rádio e logo um coro de anjos,
como se de anjos fosse,
numa toada doce,
de violas e banjos,
Entoa gravemente um hino ao Criador.
E mal se extinguem os clamores plangentes,
a voz do locutor
anuncia o melhor dos detergentes.

De novo a melopeia inunda a Terra e o Céu
e as vozes crescem num fervor patético.
(Vossa Excelência verificou a hora exacta em que o Menino Jesus nasceu?
Não seja estúpido! Compre imediatamente um relógio de pulso antimagnético.)

Torna-se difícil caminhar nas preciosas ruas.
Toda a gente se acotovela, se multiplica em gestos, esfuziante.
Todos participam nas alegrias dos outros como se fossem suas
e fazem adeuses enluvados aos bons amigos que passam mais distante.

Nas lojas, na luxúria das montras e dos escaparates,
com subtis requintes de bom gosto e de engenhosa dinâmica,
cintilam, sob o intenso fluxo de milhares de quilovates,
as belas coisas inúteis de plástico, de metal, de vidro e de cerâmica.

Os olhos acorrem, num alvoroço liquefeito,
ao chamamento voluptuoso dos brilhos e das cores.
É como se tudo aquilo nos dissesse directamente respeito,
como se o Céu olhasse para nós e nos cobrisse de bênçãos e favores.

A Oratória de Bach embruxa a atmosfera do arruamento.
Adivinha-se uma roupagem diáfana a desembrulhar-se no ar.
E a gente, mesmo sem querer, entra no estabelecimento
e compra— louvado seja o Senhor!— o que nunca tinha pensado comprado.

Mas a maior felicidade é a da gente pequena.
Naquela véspera santa
a sua comoção é tanta, tanta, tanta,
que nem dorme serena.

Cada menino
abre um olhinho
na noite incerta
para ver se a aurora
já está desperta.
De manhãzinha,
salta da cama,
corre à cozinha
mesmo em pijama.

Ah!!!!!!!!!!

Na branda macieza
da matutina luz
aguarda-o a surpresa
do Menino Jesus.

Jesus
o doce Jesus,
o mesmo que nasceu na manjedoura,
veio pôr no sapatinho
do Pedrinho
uma metralhadora.

Que alegria
reinou naquela casa em todo o santo dia!
O Pedrinho, estrategicamente escondido atrás das portas,
fuzilava tudo com devastadoras rajadas
e obrigava as criadas
a caírem no chão como se fossem mortas:
Tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá.

Já está!
E fazia-as erguer para de novo matá-las.
E até mesmo a mamã e o sisudo papá
fingiam
que caíam
crivados de balas.

Dia de Confraternização Universal,
Dia de Amor, de Paz, de Felicidade,
de Sonhos e Venturas.
É dia de Natal.
Paz na Terra aos Homens de Boa Vontade.
Glória a Deus nas Alturas.
________________________________
"António Gedeão", i.e. Rómulo Vasco da Gama de Carvalho nasceu a 24 de Novembro de 1906 ,em Lisboa. Autor de um extensa e notável obra científica, na área da Física, assumiu desde cedo a paixão pela poesia embora só aos 56 anos tenha decidido publicar o seu primeiro livro de poemas, sob o citado pseudónimo.
Após a sua morte, em 19 de Fevereiro de 1997, a data do seu aniversário - 24 de Novembro - passou a ser designada, em Portugal, como o Dia Nacional da Ciência.

Anônimo disse...

Obrigada C. pelo belo e atual poema.
Feliz 2010.
Neida