terça-feira, 1 de junho de 2010

Avatar X Copenhagen

Por Elenita Malta Pereira

Lançado simultaneamente ao fracasso da conferência de Copenhague, fenômeno de público nos cinemas chama atenção para o esgotamento de um modelo que saqueia nosso planeta.

Avatar aparece num ótimo momento. Após o fracasso da Conferência do Clima em Copenhague e no início do Ano da Biodiversidade, é um brado de alerta sobre nossa péssima relação com a natureza. Merece ser assistido pelos belos efeitos e pela fotografia extraordinária, porém, mais do que isso, apresenta uma poderosa mensagem ecológica: o homem precisa restabelecer sua conexão com a natureza. O filme nos fala também de respeito ao próximo, homem, animal ou floresta, igual ou diferente de nós.

Planejado pelo diretor James Cameron (de Titanic, Alien e True Lies) há 15 anos, Avatar teve uma nova tecnologia de efeitos especiais criada para sua filmagem, realizada em 3D. O espectador é transportado para a lua Pandora, habitada pelo povo Na’vi, um universo de experiências sensoriais encantadoras, com seres de formas jamais imaginadas, cores reluzentes e uma natureza exuberante. Tudo isso é registrado numa fotografia belíssima, um dos pontos altos do filme.

Como outros blockbusters (O Dia depois de Amanhã, 2012), filmes de animação (Happy Feet, Wall-E, Hugo) ou mesmo o documentário A Marcha dos Pinguins, Avatar explora o tema ambiental, seguindo a linha de Uma Verdade Inconveniente, que ganhou um Oscar em 2007. Podemos nos questionar: por que tantos filmes com preocupações ecológicas?

A popularidade que o tema alcançou, nos últimos anos, especialmente depois dos relatórios do IPCC, de 2001 e 2007, com fortes evidências de que o homem é responsável pelas mudanças climáticas e de que o efeito estufa já é perceptível até mesmo para a população em geral, por meio de fenômenos naturais em todo o mundo, parece provocar uma demanda por esse tipo de filme. A indústria cinematográfica, assim como outros ramos de negócios, aproveita-se da comoção que o assunto é capaz de produzir nas pessoas. O conceito de desenvolvimento sustentável, nesse sentido, quando apropriado pelas empresas, foi distorcido de seu significado original e utilizado para proporcionar lucros, incentivando o consumo. O movimento ambientalista pregava em seu início, nos anos 1970, justamente o contrário, o anticonsumismo.

Avatar, entretanto, propõe uma discussão pertinente sobre o futuro do nosso planeta, a Terra. Inova ao expor a monstruosidade, o lado perverso do ser humano – personificado no personagem do coronel Quaritch Miles (Stephen Lang) –, que destrói um mundo em perfeita harmonia, com uma brutalidade chocante, em cenas que provocam indignação no espectador. Mostra até onde o homem é capaz de chegar para obter ganhos econômicos.

Quando a árvore-casa dos Na’vi cai, o desmatamento da Amazônia, da Mata Atlântica, o derretimento dos polos, a morte dos corais e dos oceanos, enfim, todas as desgraças provocadas pelo homem são evocadas. Vemo-nos em ação, atirando contra a natureza, só porque debaixo dela se encontra um minério valiosíssimo, que, para os humanos, seria capaz de resolver a crise energética, uma vez que em 2154 – ano em que a trama se passa – não existe mais verde por aqui. Com a Terra arrasada, segue-se a colonização de outros mundos. Ao mostrar nossa mesquinhez, o filme pretende atingir o que ainda resta de consciência ecológica em seu público.

O nome da lua, Pandora, é significativo. Na mitologia, Pandora, a primeira mulher criada por Júpiter, recebe dos deuses presentes em forma de dons, como beleza, persuasão e música. Entregue em casamento a Epimeteu, irmão de Prometeu (que roubou o fogo do céu para criar o homem), recebeu do marido uma caixa contendo todos os males, com a advertência de não abri-la. Mas a curiosidade foi maior, e Pandora abriu a caixa, liberando pragas que atingiram o homem, restando apenas a esperança. Pandora não cuidou de sua caixa, e nós não estamos cuidando do nosso planeta. Avatar nos adverte: a Terra é nossa caixa de Pandora. Se não soubermos preservá-la, será o nosso fim.

O filme de James Cameron é permeado de esperança. Em Pandora tudo está em equilíbrio. Uma árvore da vida, a deusa Eywa, sustenta as conexões entre as raízes de todas as árvores e entre todos os seres. É uma teia, como as sinapses que ligam os neurônios em nosso cérebro. Acaso na Terra os sistemas também não estão interligados? Esse é o preceito fundamental da ecologia. Já nos dizia José Lutzenberger, em seu Manifesto Ecológico Fim do Futuro?: tudo está relacionado com tudo.

Embora nossa conexão não se realize diretamente, como ocorre por meio das tranças dos Na’vi, com os cavalos (Direhorses), animais alados (Banshee) ou com a própria terra, ela existe, só que está perdida pelo nosso afastamento da natureza. Avatar nos diz que, se quisermos manter o direito de habitar a Terra, precisamos colocar-nos novamente em contato com a natureza.

O personagem principal, Jake Sully (Sam Worthington, de Terminator Salvation), consegue se libertar da ignorância e perceber a tempo a catástrofe que os humanos iriam desencadear em Pandora. Ao entrar em contato com os costumes dos Na’vi, Jake Sully, aos poucos, vai compreendendo a importância da harmonia ecológica de Pandora. Trata-se, além de conhecer os modos de alimentação e locomoção, de como respeitar a vida em todas as suas formas. Quando a jovem princesa Neytiri diz a ele “Eu vejo você”, ela não apenas vê, mas sente, percebe e respeita o outro. Para vivermos em equilíbrio com a natureza e com nossos semelhantes, é preciso “vê-los” profundamente.

Um aspecto interessante do filme é que a vida no avatar passa a ser mais real do que a “vida real”. Isso pode instigar-nos a questionar: a vida que levamos atualmente nas grandes cidades, nas quais sofremos as consequências do mau planejamento urbano, do trânsito, dos temporais, nos proporciona qualidade de vida? Não está na hora de buscarmos qualidade de existência? O filme nos mostra que mesmo as sociedades tidas como “primitivas”, até mesmo “selvagens”, têm sabedoria, e, geralmente, uma ligação com a natureza muito mais rica do que a nossa.

Não é o caso de sairmos correndo das cidades e nos enfiarmos no mato, vivendo como os indígenas. Trata-se de abandonar nossos preconceitos, aprender a conviver e respeitar o outro, encará-lo como igual, alguém com quem podemos trocar experiências.

Somos responsáveis pelo sistema econômico falho, excludente, perverso – que, apesar da recente crise, surpreendentemente permanece o mesmo – que, visando ao lucro e ao crescimento ilimitado, coloca a natureza como um detalhe; na verdade, uma pedra no sapato para atingir o “desenvolvimento”. O que nos falta, como mostra Avatar, é envolvimento. Acabamos de sair da mais importante conferência realizada até hoje sobre as mudanças climáticas. Vimos que os interesses econômicos dos países, principalmente das grandes potências, minaram qualquer possibilidade de acordo.

Estamos cada vez mais desconectados com a teia da natureza, preocupados em ganhar dinheiro custe o que custar. Mesmo que o preço seja a vida dos que ainda não nasceram ou até mesmo dos oceanos, das árvores e dos animais, não cogitamos alterar nossos hábitos de consumo, extremamente danosos aos recursos naturais, e, muito menos, mudar nossa matriz energética altamente poluente.

Com seus corpos azuis, orelhas pontudas, narizes achatados, cabelos em trança e muito mais altos do que nós, os habitantes de Pandora têm muito a nos ensinar. Eles nos passam uma importante mensagem: ainda há tempo para salvar a Terra, basta nos reconectarmos. Não se esqueça: abra os olhos.

* Historiadora, mestranda em história pela UFRGS, com estudo sobre o ambientalista Henrique Roessler

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