segunda-feira, 16 de julho de 2007

A "despotização" e a nova estética urbana

Como uma doença contagiosa, ela tem se proliferado nesses tempos. Não escolhe idade nem tamanho de suas vítimas. A profilaxia para este mal não se encontra nos compêndios da moderna Medicina. Sabe-se, apenas, que é mais freqüente e intensa nas cidades com baixos indicadores sociais.

A "européia" Manaus, uma jovem senhora de 338 anos, tem sido infectada abruptamente. Trata-se do engaiolamento e do encaixotamento, fenômenos arquitetônicos responsáveis pelo enclausuramento do homo sapiens, muitas vezes prescritos por arquitetos e engenheiros.

Este quadro sintomático pode ser verificado nos traçados de casas e apartamentos de pequenas ou grandes cidades e revela mais do que um estilo arquitetônico. Sugere uma nova estética baseada somente em critérios econômicos. Pode-se ver réplicas de edifícios de São Paulo em Manaus, as diferenças culturais e climáticas não são consideradas.

O engaiolamento caracteriza-se pela incorporação de grades em janelas, portas, muros ou qualquer espaço aberto nas edificações. O encaixotamento manifesta-se prematuramente, na fase de projeto, no qual são delineados os espaços com restrição de luminosidade e ventilação, cômodos minúsculos com reduzido pé-direito.

O engaiolamento e o encaixotamento evidenciam não apenas as condições socias nas quais são submetidas os cidadãos, mas sobretudo um processo perverso há muito tempo iniciado. A peste mais degenerativa de todas, a "despotização". Trata-se da doença que aos poucos apaga da mente de seus habitantes a necessidade do bem comum, dos espaços públicos.

As cidades contaminadas podem ser facilmente identificadas quando se observa seus espaços públicos sendo privatizados. Rios, lagos e igarapés obstruídos, poluídos ou simplesmente desaparecidos em curto espaço de tempo pela volúpia dos construtores e pela cegueira disfarçada dos gestores públicos.

Os espaços privados como shoppings centers e condomínios fechados passam a ser referências de cultura e lazer, enquanto ruas, praças e parques são projetados, não mais para socialização de seus habitantes, mas apenas para o direcionamento do tráfego. Assim, neste novo modelo de sociedade o carro passa a ser o cidadão principal.

Como um tumor que precisa ser extirpado, as florestas nativas representam o atraso na nova estética urbana, e estão cada vez mais distantes das cidades. No seu lugar, multiplicam-se ambientes com predominância de gramíneas e com poucas espécies arbóreas. Plantam-se outdoors no lugar onde deveria brotar árvores.

Como resultado desse processo degenerativo tem-se uma cidade feia, deprimente e desumana, em cujas ruas circula um novo ser, o urbanóide. Ser estranho, egoísta, individualista, robótico, desprovido de criticidade, sem memória, sem sentimento coletivo e, portanto não mais um cidadão.

A cura, se houver, será sofrida e resultante de um longo processo de lutas entre os homens, no cenário local e global. Daí sairá os princípios e os valores que formarão um DNA curativo, mutante, não genético mas ético, sobre o qual uma nova cidade surgirá.

3 comentários:

Andarilha disse...

Legal

Vera Dantas disse...

Neidinha,
adorei seu texto.
Muito coerente atual e preocupante!!
Nossa vida se resume a grades,urbanização desenfreada e almas escarradas por um mundo sujo e cruel!!!
O que fazer???
Vc foi mt feliz e sensível no seu relato da nossa desumanizada Manaus!
Parabéns.
Vera Dantas

Unknown disse...

Neidinha,
Seu texto foi um choque nas almas acomodadas e insensíveis. Morei muito tempo no centro da cidade, na antiga 07 de dezembro, hoje Cândido Mariano. Dia desses passei por lá e parte da rua está bloqueada por conta da obra do Governo Estadual. Aos poucos vemos a cidade em que nascemos e crescemos sucumbir à modernidade e, com ela, nossos costumes, tradições e lembranças de uma outra identidade, que não é essa, tão bem exposta por vc. Beijão, Aninha.