sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Obrigado à vida

Obrigado à vida
que tem me dado tanto
me deu duas estrelas
que quando as abro
perfeitamente distingo
o preto do branco
e no alto do céu
seu fundo estrelado
e nas multidões
o homem que eu amo.
Obrigado à vida
que tem me dado tanto
me deu o ouvido,
que em toda sua largura
grava noite e dia
grilos e canários
martelos, turbinas
latidos, garoas
e a voz tão terna
do meu bem amado.

Obrigado à vida
que tem me dado tanto,
me deu o som
e o abecedário,
com ele as palavras
que penso e declaro
mãe, amigo
irmão e luz
iluminando a rota da alma
de quem estou amando.
Obrigado à vida
que tem me dado tanto,
me deu a marcha
do meus pés cansados,
com eles andei
montanhas e planícies
pela tua casa
Tua rua e teu pátio.

Obrigado à vida
que tem me dado tanto,
me deu o coração
que agita sua moldura
quando vejo o fruto
do cérebro humano,
quando vejo o bom
tão longe do mau
quando vejo no fundo
do teus olhos claros.
Obrigado à vida
que tem me dado tanto,
me deu o riso
e me deu o pranto
assim eu distingo felicidade
de tristezas,
os dois materiais
que formam meu canto,
e o canto de todos
que é o meu próprio canto.

Violeta Parra

Um comentário:

Anônimo disse...

Com saudade da poesia às quartas, passo por aqui muitas vezes, procurando pelas mágicas palavras que a doce andarilha coloca neste seu jardim, ainda mais belo que a buganvília (é assim que se diz, em português) que floresce na sua porta e simboliza, simultaneamente, a força e a doçura da sua alma.
Tenho pena de não ser mais vezes presenteado com muitas mais árvores e flores, neste jardim de palavras, em que cada sílaba é sentida profundamente, com verdade e justiça.
Porque será que esta andarilha, tão brilhante, com um espírito tão infinitamente belo e justo, insiste em se esconder atrás de sua própria sombra? Talvez seja melhor assim pois custaria muito às pessoas aceitarem, sem inveja, ter a seu lado alguém com uma alma mais resplandecente que mil sóis.
Ninguém melhor do que a andarilha conhece os trilhos agrestes e as azinhagas floridas, por isso ninguém tem o direito de lhe dizer qual o melhor caminho. Só fica a vontade de, por vezes, partilhar, a seu lado, esses caminhos.